O advogado moçambicano Stayleir Marroquim, considera que a eclosão da pandemia do coronavírus no país evidenciou certas fragilidades presentes no vigente Código Comercial, principalmente no que tange à ausência de decretos relativos ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação.
O advogado sustenta a sua observação no facto de várias sociedades empresarias terem falhado a realização da Assembleia Geral este ano, comumente feita ao fim do primeiro trimestre, num contexto em que a preservação da saúde das pessoas impõe o distanciamento físico, entre outras medidas cautelares, acreditando que o recurso ao uso das TIC´s facilitaria vários processos, preservando o dinamismo das actividades empresariais.
“Não só temos a inconveniência do contacto físico por causa do coronavírus, mas também é preciso analisar a despesa que muitas vezes este contacto representa. As empresas, por vezes, têm sócios que estão em partes distintas do país e até do mundo. Para a realização de uma Assembleia Geral, o nosso Código Comercial impõe que têm de estar fisicamente no mesmo espaço, o que representa custos para os accionistas”, argumenta.
Marroquim refere que esta imposição representa uma barreira e, por isso, aponta para a sua eliminação. “Os sócios poderão, querendo, continuar a reunir-se fisicamente, mas terão a possibilidade legal de recorrer à vídeo conferência. É verdade que muitas empresas fizeram isso, mas isto pressupõe um grande alinhamento entre os sócios, porque sem que seja consensual, não é possível recorrer a estes meios inovadores sem que a Lei os preveja, sob o risco de se invocar a invalidade das operações que eventualmente tenham sido tomadas, pela falta de observação do formalismo legal”, afirma.
Em entrevista à Voz do Empresário, Marroquim advogou igualmente o emprego das tecnologias para a simplificação da constituição e licenciamento das sociedades empresariais, conferindo-lhes mais rapidez.
“Esta pandemia mostrou, mais uma vez, que as transacções comerciais exigem muito mais rapidez e as oportunidades de negócios podem aparecer para serem aproveitadas em semanas. É muito provável que a lei evolua no sentido de trazer a evolução tecnológica mais para o Código Civil, permitindo que estes tipos de processos possam ocorrer, em certas circunstâncias, sem muito contacto físico, sem embargo, logicamente, de as pessoas sem acesso à tecnologia poderem sempre recorrer fisicamente aos balcões de licenciamento”, vaticina.
O advogado aponta ainda o melhoramento do actual regime dos tipos societários existentes, visando conferir aos empresários modelos que sejam flexíveis e que garantam a operacionalização das suas projecções empresariais e planos de negócio.
“Fala-se hoje das sociedades por acções simplificadas, que em bom rigor conjuga elementos das sociedades em nome colectivo e também das sociedades anónimas. É um tipo societário que tem elementos que dão muita abertura ao mercado e permite maximizar o negócio, tendo em conta os novos elementos de gestão, mas também tem aspectos muito fechados, que permitem uma certa protecção dos sócios e do negócio fechando-se, por exemplo, a aparição de novos sócios”, explica.
Ressalva, entretanto, que “não há certezas, há ainda um trabalho que seguramente será feito ao nível da Assembleia da República, de aprovação da lei de autorização legislativa, que vai permitir que o Conselho de Ministros trabalhe nestes temas”.
Outro aspecto que, para o nosso entrevistado, merece atenção, na revisão do Código Comercial, é a possibilidade de as empresas terem um objecto negocial flexível, que as permita alternar a área de actuação, sem que passem por um novo licenciamento.
“Logicamente que estou a falar de serviços correntes, tais como limpeza, táxi, fotocópias, entre outros, que em função da oportunidade que se lhes apareça, possam mudar de direcção e explorar. Por vezes é uma necessidade momentânea, a lei não pode impedir. Claramente que isto não será aplicável, por exemplo, à actividade mineira”, esclarece.
Segundo Marroquim, os debates em torno da revisão do Código Comercial resultaram na submissão de uma proposta rica em elementos que permitem desburocratizar, simplificar e flexibilizar os processos, entretanto, o seu sucesso dependerá da forma como a lei será aplicada.
Aconselha, por isso, que se faça um investimento a nível da capacitação dos profissionais que trabalham com a lei, por forma a que saibam interpretá-la com rigor.
“É necessária a formação contínua, mas também a retenção dos quadros, a nível do sector público, porque há quadros que são formados, mas que depois saem do sector público para o sector privado e logicamente que todo o know how que foi investido na pessoa acompanha-o e ficamos continuamente a formar novas pessoas, facto que pode prejudicar a boa implementação destas reformas” finaliza.
António Monjane